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Certa manhã uma baleia acordará de sonhos intranquilos, diziam eles. Também há quem diga que seja uma serpente dormindo profundamente. Uma ou outra, a certeza é de que um dia o sertão vai virar mar. Por debaixo dos ladrilhos simétricos da Praça da Sé, no Crato, nas paredes dos museus da região, na Chapada do Araripe e nas rochas da terra, jazem as histórias dos índios Kariris. Um povo a espera de justiça através das forças divinas da natureza.

 

Conta a lenda que a pedra da nascente do rio Batateiras em Crato, maior fonte de água da Chapada, um dia irá rolar e inundar toda região. Um animal adormecido embaixo da Sé vai acordar e se vingar dos colonizadores, devolvendo a terra aos índios. Já do outro lado, o Padre Cícero Romão dizia que a cidade de Juazeiro do Norte ascenderá, ficando imune a enxurrada. As boas novas eram que o Padim iria amarrar a pedra com correntes de ferro e rezar para Mãe do Belo Amor, santidade admirada pelos índios.

 

O Cariri é berço de muitas histórias e lendas. A flor da terra do sol, como canta o hino sobre a cidade de Crato, se diz cordão umbilical dos Kariris. Considerada o óasis do sertão, a região, segundo a pesquisadora Rosiane Limaverde, é uma ilha verde. Se pararmos para ouvir o barulho das folhas ao sopé da chapada, podemos escutar o ressoar da memória de um povoado esquecido. Contudo, não há um ponto final. Não há tela preta. Existem reticências em busca de continuação […]

 

 

 

 

Apesar do termo mitologia ser associado, quase que inconscientemente, às civilizações gregas e romanas, elas não são as únicas a terem nos mitos um complexo e rico imaginário. Poucos sabem, mas o Cariri - ou melhor, Kariri - guarda nas raízes do seu semiárido os ancestrais das águas. O Kariri mitológico é lugar de reis, divindades, castelos. Trata-se do Reino de Itaperabussú que a Letícia Diniz, 10, vai nos contar agora.

 

 

 

 

 
   BEM VINDOS A ITAPERABUSSÚ
NOSSOS CURSOS

A CASA AZUL: UM RITO DE PASSAGEM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Letícia, 10, está na rádio. Apresenta um programa todos os dias às 14h. Assim que é perguntada sobre qual mito dos Kariris conhece, diz logo: “O da Maara”. Sem pensar muito, começa a explicar sobre uma das primeiras histórias do Cariri. Letícia, assim como todas as crianças da Fundação Casa Grande - Memorial do Homem Kariri, em Nova Olinda, são educadas para preservar o nosso território em todos os sentidos. Através do contar e resgatar das memórias, os meninos fazem produções artísticas e movimentam a cena cultural da região, mostrando ser a resistência das tribos.

 

A casa azul alça voo, prova Alemberg Quindins, fundador. Pedimos para ele recontar a lenda que Letícia havia se esforçado para nos ensinar. Com a proposta de manter a oratória dos Kariris, ele busca continuar as reticências e prolongar a vida do espírito Kariri. “Antes da escrita, era mitologia, antes de fossilizar a pedra, o Cariri fossilizava na cultura imaterial do povo, essas histórias”, explica ele. Alemberg costuma dizer que Lampião antes de entrar aqui, deixava as armas na porta e se ajoelhava. “Cariri não é Ceará, não é Pernambuco e nem Paraíba, Cariri é Cariri, a história de um povo com princípio e fim”, continua. O papel da Fundação é reaver a mitologia. Ao lado de Rosiane Limaverde, esposa e co-fundadora, os dois têm o objetivo de conscientizar o coletivo.

 

“Existe um Cariri dentro do outro, existe um que as pessoas não enxergam”, diz Quindins sobre a falta de reconhecimento que muitos cidadãos atuais têm com seu povo. Para ele não existe diferença entre a cultura milenar e a contemporânea. Considerado um ponto de força no sul do Ceará, a região do Cariri é espelhada num território mágico. Como um rito de passagem, essas histórias são travessias, caminhos das águas que marcam uma localidade. Os boqueirões, caldeirões e castelos são lembranças do que foi o reinado Kariri.

 

No ano passado, a Fundação promoveu a “Mostra Warakdzã – Conexões Culturais e Midiáticas no Sertão do Cariri”, na qual reuniu gente do mundo todo. O nome Warakdzã vem do ritual de encontro com todos os pajés, homens da ciência cultural, que haviam na região. Naquele período, eles se reuniam para debater se o ano iria ser bom ou ruim, através da observação dos astros e da natureza. Alemberg já promete outra mostra para este ano. Com o nome de "búzio", traduzido da língua kariri, ele diz que a escolha vem da possibilidade que o objeto tem de nos fazer ouvir o mar. O mar que um dia irá cobrir as terras novamente.

 

ALQUIMISTAS DO SERTÃO: DA ARQUEOLOGIA À MITOLOGIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com o sorriso aberto, Rosiane Limaverde posa para uma foto na janela do Instituto de Arqueologia do Cariri. Entre uma reunião e outra, a pesquisadora encontra um tempo para ler seus e-mails e fazer o registro com gentileza. Rosiane, que já faz parte da história da arqueologia na região, explica que o Memorial do Homem Kariri atua através da coleta das lendas e mitos, do registro por meio de tecnologias da informação e no repasse dessa memória através da educação patrimonial. As falas dela se completam as de Alemberg, e vice-versa, quando o assunto é o mito de origem e fim dos tempos Kariri.

 

“Conta o mito de origem Kariri que eles surgiram de uma Lagoa Encantada, Vapassú, onde existia o reino

Itaperabussú. Conta o mito do fim dos tempos

O Instituto de Arqueologia do Cariri, fundado no ano passado é o primeiro órgão do Ceará especializado no assunto. A iniciativa surgiu por meio de uma parceria com a Universidade Regional do Cariri (URCA) e a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, com o apoio da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e do Centro de Arqueologia da Universidade de Coimbra (UC), em Portugal. Com uma equipe multidisciplinar, o órgão atua realizando os trabalhos de catalogação do acervo arqueológico da Chapada do Araripe e sendo referência país afora. O Memorial trabalha com  a arqueologia desde 2006 e o serviço apenas soma e fortifica a educação social e pesquisa acadêmica na região.    

 

“No Cariri os Kariri se manifestam através de uma cultura viva”, pauta a arqueóloga. Sobre a resistência indígena, Rosiane diz que no Nordeste ainda há remanescentes kariris em regiões como Alagoas, Bahia, Paraíba Pernambuco e Ceará. A mitologia não é só uma página da história dos nossos antepassados, e sim a raiz. “O mito é uma forma eficaz de explicarmos como somos, porque somos e o que somos”, completa Rosiane.

que um dia a Pedra da Batateira, que tapa a boca da nascente do rio, vai rolar e toda a água da lagoa encantada vai inundar a região”, diz ela. Como alquimistas do sertão, o casal fundador da Casa Grande, enfatizam que no Cariri, o diálogo entre mitologia e arqueologia é constante: “pois por trás de um sítio arqueológico sempre há uma memória mítica ancestral”.

 

                 

 

 

O CARIRI DOS KARIRIS: QUAL LENDA VOCÊ CONHECE?

 

Durante as andanças por Nova Olinda, algumas pessoas responderam a enquete “Qual mito dos Kariris você conhece?”. Dentre crianças e adultos, umas não sabiam, outras arriscaram contar…

 

Unknown Track - Unknown Artist
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Foto: Hélio Filho

KARIRI NA PONTA DA LÍNGUA

 

Apesar da língua kariri não possuir mais falantes vivos, o fascínio pela língua "morta" está reunindo pessoas motivadas em compreendê-la.  Estudiosos descobriram, recentemente, que o idioma dos índios kariris foi registrado em documentos, sendo estes dois catecismos e duas gramáticas, escritas por padres jesuítas em meados de 1698.

 

Ricky Seabra, diretor do Museu do Crato, é o idealizador desse projeto que tem como principal objetivo reunir pessoas interessadas em entender e remontar o idioma. "A ideia é criar um método de ensino da língua", explica. Os encontros ainda não começaram, mas a turma já está sendo formada. Os atraídos pela iniciativa devem procurar o Museu. O katecismo Indico da língua kariris e a Arte da Grammatica Brazílica da Nação Kiriri estão disponíveis nos seguintes links.

 

20 anos de Casa Grande (2012)

 

Saudando os vinte anos de Fundação Casa Grande, o livro faz um breve relato sobre a origem do povo kariri segundo a mitologia indígena, o couro e a história do Memorial Homem Kariri. Belas fotografias ilustram todas as páginas, fazendo o leitor sentir vontade de conhecer ainda mais essa região. Vale a pena conferir!

Ao longo dessa narrativa, podemos constatar uma forte busca pelo resgate de memórias, tanto através do ato de escutar, quanto ao de ler e deslizar os olhos pelas imagens.  Os mitos ainda permeiam o imaginário da região sul cearense e são necessários para reacender a chama de nossos ancestrais.

 

Nesta seção, vamos indicar alguns dos artistas que não deixaram a história e ensinamentos dos Kariris desaparecerem. São conterrâneos que lançam o Cariri para o mundo com seus trabalhos e fazem jus ao sangue indígena que corre nas veias. Confira:

 

Abidoral Jamacaru

Ícone cultural quando se refere a poesia e composições, Abidoral faz parte do rol de artistas que engrandecem o nome do Cariri. Todos os discos do cantor trazem referencias fortes ao Cariri.  Escute uma das mais famosas: “Pra Ninar o Cariri”

Geraldo Júnior

No disco Warakidzã (2011), o artista traz alguns dos mitos, dos ritos e dos gritos de guerra que estremecem os solos caririenses sempre que tocados. Com delicadeza, em cada acorde nota-se a presença forte de uma voz indígena que Geraldo deixou cantar.

O Mistério das treze portas no Castelo Encantado da Ponte Fantástica (2011)

 

Escrito pelo médico José Flávio Vieira, o livro conta os mitos caririenses e acompanha um CD com quinze músicas e um áudio livro narrando as histórias. Com alusão a um Reino Encantado localizado no sopé da chapada, a obra é destinada ao público infantil e já venceu o I Prêmio Rachel de Queiroz da Secretaria de Cultura e Turismo.

 

Irmãos Aniceto

Chico Aniceto era da última corrente migratória da Nação Cariri. O Maestro se juntou aos irmãos para dar continuidade ao trabalho de seu pai tocando na banda cabaçal. O grupo folclórico carrega no repertório alusões aos rituais dos Índios Kariris e resiste ao tempo.

Assista a performance do grupo.

 

KARIRI EM LIVROS E DISCOS

 

#DeOndeVem 

MITOS NA HISTÓRIA

 

Segundo Marilena Chauí, o mito tem três funções principais: explicar, organizar e compensar. Ele é narrado por alguém que tenha credibilidade, liderança e domínio da linguagem, e serve para explicar a origem e a forma das coisas para um grupo de pessoas. É importante ressaltar que ele só nasce e se consolida através da aceitação coletiva, ou seja: é o senso comum que dá vida ao mito. Ele explica o presente a partir de algo que aconteceu no passado, como por exemplo, uma constelação que existe porque, há muitos anos, crianças fugitivas e famintas morreram na floresta, mas uma deusa levou-as para o céu e transformou-as em estrelas. O mito organiza as relações sociais, legitimando e determinando um sistema de permissões e proibições. E há também a compensação, pois o mito conta algo que aconteceu e não é mais possível de acontecer, mas que serve tanto para compensar os humanos por alguma perda, como para garantir-lhes que esse erro foi corrigido no presente, oferecendo uma visão estabilizada da Natureza e do meio que a cerca.

 

 

MITO OU LENDA?

 

 

Em meio às semelhanças existentes entre mito e lenta, criou-se o hábito de assimilar os dois termos como sinônimos. A história, em ambos os casos, é retrato da  sabedoria popular, sendo esta transmitida de geração em geração pela tradição oral de um povo.  Contudo, a diferença entre tais narrativas é específica.

As lendas surgem mediante um fato. Criadas em tom ficcional repleto de fantasia, são reconfiguradas ao longo do tempo e passam por adaptações para contemplar diversas comunidades.

Já os mitos nascem da necessidade de se explicar a gênese. Antes da ciência, a mitologia era o único argumento capaz de responder perguntas ontológicas sobre a existência, a origem do mundo, do homem e dos fenômenos naturais.

#BelezasKariri

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Neste ensaio você verá algumas fotos de Hélio Filho, fotógrafo caririense com olhar apaixonado pelas belezas da região.

#SouKariri

Nós preparamos a campanha #SouKariri para quem quer resgatar a memória desse povo de luta que povoou um dos pontos de força do mundo: a região do Cariri. Então se você gostou dos mitos e recordações, se você é caririense, ou não, e quer fazer reviver o encanto da Mãe d'água, clica aqui para alterar sua foto de perfil com o adesivo.

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